João Alfredo de Oliveira
10 de junho de 2025
6 min
Mesmo após já ter passado 137 anos desde a abolição da escravatura no Brasil, a população negra ainda sente o peso dos grilhões, e de mãos atadas ainda sente o peso do preconceito explicitado em sua principal forma, ou seja, a do racismo velado.
A truculência que apresenta neste tipo enrustido de descriminação, para o povo preto, desponta ainda mais dolorosa e nociva que se fosse tratado de maneira escancarada; pois nos países reconhecidamente racistas, o negro sai as ruas protegidos por estarem cientes sobre o que irão encontrar, já aqui no Brasil, sob a égide de uma pseudo igualdade, o Negro se vê sempre as voltas com uma variedade de situações, que lhes desonra enquanto ser humano.
Contudo, o maior mal causado, e desta vez não só voltado ao povo preto, e sim a toda população, é a negação da própria da história, uma vez que nunca foi nos ensinado na escola que já tivemos Afrodescendentes assumindo o cargo de Presidente da República Federativa do Brasil.
Com a morte do então Presidente Afonso Pena em 14 de junho de 1909, tomou posse seu vice, o mulato Nilo Procópio Peçanha, tornando-se o sétimo presidente da nossa história a ter a honra de governar nossa população.
De origem humilde, Nilo Peçanha nascido em 2 de outubro de 1867,em Campos dos Goytacazes era carioca e filho de agricultores. Seu pai Sebastião de Souza Peçanha tinha o ofício de padeiro, e foi deste que herdou o gosto e a valorização pelo trabalho; sua mãe Joaquina Anália de Sá Freire, foi quem lhe proporcionou o aflorar do gosto pela leitura.
Além dos pais, Nilo morava com quatro irmãos e mais duas irmãs em um sítio bem pobre localizado no atual Distrito do Morro do Coco, lugar este onde na maioria das vezes contavam como a principal alimentação do dia apenas paçoca e pão dormido.
Em Campos dos Goytacazes, seu pai era conhecido apenas como Sebastião da padaria, devido a função que desempenhava; cansado da vida de dificuldades no campo, Sebastião se mudou com a família para o centro da cidade de Goytacazes, quando Nilo já estava às vésperas de alcançar a idade escolar.
Após ter concluído os estudos preliminares ali mesmo em sua cidade natal, especificamente no Colégio Pedro II, Nilo Peçanha matriculou-se na faculdade de direito de São Paulo, onde deu início aos estudos de formação universitária; contudo logo transferiu-se para a faculdade de direito de Recife, e com isso foi no Estado de Pernambuco que recebeu o tão almejado diploma de graduação.
De volta a sua terra, no ano de 1895, Nilo Peçanha casou-se com Ana de Castro Belisário Soares de Souza, conhecida como “ Anita “ , descendente de família Aristocrática e bastante rica, também residentes em Campos dos Goytacazes; diferente de seu pretenso par, que trazia em suas veias e na cor de sua pele traços gritantes que lhe remetia a escravidão, Anita exibia em sua linhagem traços nobres da fidalguia, uma vez que era neta do Visconde de Santa Rita e Bisneta do Barão de Muriaé, e do primeiro Barão de Santa Rita.
Aquele matrimônio entre seres de raízes tão diferente, tornou-se um ruidoso escândalo social, uma vez que sem as bênçãos de sua inflexível e relutante família, a moçoila para conseguir se casar com aquele mulato pobre, que mesmo estando este despontando para um futuro político promissor, não gozava da aprovação da aristocrática família, para fazer valer o amor, viram-se obrigados a desprezar as convenções e fugiram antecipando a convivência marital, e só assim para não se dobrarem a uma filha desonrada, foi que forçosamente acenaram com o sim para aquela afrontosa união.
Embora tenha alcançado a Presidência da República por mérito, o cumprimento de seu mandato não foi nada fácil, uma vez que o esperado júbilo e glamour que normalmente permeiam o cargo, neste caso não se fez presente; vítima da hostilização encabeçada principalmente pelos aristocratas membro da oposição, que não perdiam a menor oportunidade em denegri-lo devido a pigmentação escura da sua pele.
A perseguição sem trégua que Peçanha sofria, mesmo para aquela época era algo surreal, uma vez que sem o mínimo constrangimento seus opositores fazendo uso do aparato da imprensa, frequentemente o ridicularizavam com a publicação impressa de charges e anedotas voltadas a subjugá-lo por sua raça; uma vez que se pautasse o quesito competência não teriam o menor argumento em que pudessem se apegar.
O histórico de luta do recém empossado presidente, datava de muito antes de sua ascensão ao cargo, sua primeira luta havia se dado em defesa da abolição da escravidão em nosso pais, atividade esta que lhe proporcionou eleger-se para a assembleia constituinte em 1980 ocupando o cargo de deputado federal, já em 1903 foi eleito sucessivamente senador e presidente do Estado do Rio de Janeiro, cargo este que nos dias de hoje seria equivalente ao de Governador do Estado, permanecendo no posto até o ano de 1906 quando foi eleito vice presidente na chapa encabeçada por Afonso Pena, tornando-se o quinto vice presidente da nossa história, para só depois assumir de fato a presidência com a morte do titular do cargo.
Embora o mandato de Nilo Peçanha tenha sido curto, foi um dos que trouxe mais progresso a toda a população brasileira; contudo, mesmo com o bom trabalho desempenhado, as matérias ofensivas e preconceituosas veiculadas pelos jornais pairava pesadamente sobre os ombros de Nilo Peçanha, causando um desconforto tão grande, que para tentar fugir do racismo, algumas vezes fazia uso de algum tipo específico de maquiagem com intuito de deixar a pele com a sensação de estar com a tonalidade um pouco mais clara todas as vezes que precisava ser retratado para fotos oficiais.
Com todos estes desgaste, em 15 de novembro de 1910 fez a passagem do cargo ao Marechal Hermes da Fonseca novo presidente eleito.
Contudo, foi durante o governo de Nilo Peçanha, que foi criado o Serviço de Proteção ao Índio ( SPI ), antecessor da Fundação dos Povos Indígenas (FUNAI).
Também foi criada a Escola de Aprendizes Artífices, primeira escola técnica de ensino no Brasil que não tinha uma abordagem militar, e que é considerada a precursora da rede de institutos de ensino Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET).
Por estes entre outros feitos, que Nilo Peçanha é reconhecido como o patrono da educação profissional e tecnológica no Brasil, através da Lei 12.417/2011.
Após deixar a Presidência, engana-se quem imaginar que Nilo Peçanha teria abandonado a vida pública; entre 1914 e 1917 – foi novamente Presidente (Governador) do Estado do Rio de Janeiro, de 1917 a 1918 – tornou-se Ministro das Relações Exteriores do Brasil, em 1918 – elegeu-se Senador Federal.
Nilo Peçanha faleceu em 31 de março de 1924, na cidade do Rio de Janeiro aos 56 anos de idade, vitimado por um colapso cardíaco causado pela doença de chagas.
• 1890 – eleito deputado federal na Constituinte;
• 1903 – tornou-se senador e, em seguida, presidente (governador) do Estado do Rio de Janeiro;
• 1906 – eleito vice-presidente na chapa de Afonso Pena;
• 1909 – assumiu a Presidência da República com a morte de Afonso Pena.
• 1914–1917 – novamente governador do Rio de Janeiro;
• 1917–1918 – Ministro das Relações Exteriores;
• 1918 – eleito senador federal.
• Criação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) — antecessor da FUNAI;
• Criação das Escolas de Aprendizes Artífices, primeira escola técnica laica do país, precursora do CEFET;
• Reconhecido oficialmente como Patrono da Educação Profissional e Tecnológica no Brasil, por meio da Lei 12.417/2011.
• O município de Nilópolis (RJ) e Nilo Peçanha (BA) homenageiam o ex-presidente;
• Existem 31 instituições de ensino básico em sua homenagem espalhadas pelo Brasil.
Nota: Nilo Peçanha não fez história sozinho na política brasileira. Nas próximas edições, traremos outros três nomes que também tiveram a honra de ocupar o mais alto cargo governamental do nosso País.
Este artigo foi publicado em 10 de junho de 2025 • Tempo de leitura: 6 min
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